Fausto
Bordalo Dias grava, em 1977, "Madrugada dos Trapeiros" (Orfeu), um
dos discos fundadores da música popular portuguesa e que, embora com algumas
particularidades decorrentes do momento histórico, aborda temáticas que hoje,
decorridos trinta anos, são preocupantemente actuais: desigualdades sociais,
desemprego, condições de trabalho lesivas da dignidade humana, redução da
mulher a mercadoria sexual, questões ambientais, etc. «Tendo como ponto básico
de partida a música tradicional e a criação de raiz urbana, no seio da qual
ganha alento novo a tendência para a fusão de elementos vários provenientes de
influências diversas» (cit. Mário Correia), o trabalho surge também como
reacção à invasão avassaladora e uniformizadora da música anglo-americana (mais
propriamente do pop-rock): «Sempre me opus e resisti à tirania do rock e do pop
em Portugal pelo que isso representa de normalização da música» (cit. Fausto).
Infelizmente, o problema ainda está por resolver e muitos têm sido os danos
causados à nossa música de maior valia e autenticidade, perante a indiferença
olímpica dos poderes político-culturais.
A execução
instrumental é assegurada por Fausto (guitarra acústica), Guilherme Scarpa
(bateria), Hélder Reis (acordeão), Mestre Paulinho das Garotas (violinha), Rui
Monteiro (adufes, bombos, caixa de guerra e ferrinhos) e Rão Kyao (saxofone e
flauta), contando-se também a participação vocal de Aristides, Fernando
Laranjeira, Sabine e Sérgio Godinho, para canções com letra e música de Fausto
("Atrás dos Tempos Outros Tempos Vêm", "Se Tu Fores Ver o Mar
(Rosalinda)", "Uns Vão Bem e Outros Mal", "O
Varredor", "Cantiga do Desemprego", "Mariana das Sete
Saias" e "Um Canto para Letrado"), com letra de Leonel Santos e
música de Fausto ("As Comissões") e com música de Fausto e António
Pedro Braga sobre poema de Reinaldo Ferreira ("Rosie").
Parafraseando
Viriato Teles, «"Madrugada dos Trapeiros" é, ainda, um disco com uma
profunda carga política, mas onde é já possível vislumbrar as novas
preocupações estéticas do seu autor, nomeadamente através da utilização
sistemática de elementos tradicionais – o embrião, afinal, daquilo que virá a
ser conhecido como Música Popular Portuguesa. O disco inclui aquele que
permanece como um dos maiores êxitos do músico: "Rosalinda", um
belíssimo manifesto ecológico [contra a central nuclear que pretendiam
construir em Ferrel, Peniche], que foi, inclusivamente regravado em Espanha por
Luis Pastor». Destaque ainda para a belíssima e alga esquecida "Mariana
das Sete Saias", canção que versa o problema social da prostituição,
assunto que Carlos Mendes também cantou na altura ("Amélia dos Olhos
Doces") e que Vitorino retomará, quinze anos mais tarde, no álbum "Eu
Que Me Comovo Por Tudo e por Nada" (EMI-VC, 1992).
Fonte – a nossa rádio
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